Texto e edição: Dalwton Moura
Fotos: Fernanda Leal
Fausto Nilo de surpresa no palco, cantando dois de seus grandes clássicos carnavalescos, ao lado de cantoras de diferentes gerações: Apá Silvino, Lídia Maria, Roberta Fiúza e Clara Dourado. Não haveria melhor encerramento para a programação especial em homenagem aos 80 anos do compositor de Quixeramobim, promovida pelo Centro Cultural Banco do Nordeste Fortaleza, iniciada no último sábado e que compreendeu três shows coletivos, a exibição de um filme e a realização de um debate sobre uma leitura semiológica de canções do autor.
Pois assim foi nesta quinta-feira, no Centro de Fortaleza, com Fausto intimado a subir ao palco por Apá, ao final do show em que ela e as colegas - e mais Calé Alencar e Alan Kardec nos violões - percorreram canções emblemáticas do coautor de "Pão e poesia", "Baião da rua" e "Cidade tatuada", composições analisadas pelo jornalista e crítico musical Marcos Sampaio, que foi entrevistado pelo compositor, jornalista e produtor cultural Dalwton Moura, pelo curador da programação, compositor e produtor Calé Alencar e pelo orientador do trabalho acadêmico, professor Chico Araújo, antes do show dedicado às vozes femininas da cena cearense.
O trabalho de pós-graduação de Marcos, pela Universidade Estadual do Ceará, foi mote para um bom debate sobre análise das canções por meio da semiótica, incluindo uma apresentação a capella de Calé Alencar para uma canção que ele acredita ser a única com música também composta por Fausto, além da letra. Um privilégio para quem compareceu ao CCBNB na noite de quinta-feira e pôde conferir um debate animado sobre os meandros do fazer poético - e musical - do autor, com direito a análises das três letras levando em conta conceitos de nomes referenciais da semiótica, como Greimas, e de pesquisadores da canção, como Luiz Tatit.
A programação foi aberta no sábado, com o centro cultural lotado para o show de Calé Alencar, Juruviara, Mona Gadelha e Yane Caracas
(confira como foi:
https://blognossamusica.blogspot.com/2024/08/ccbnb-lotou-com-cale-juru-mona-e-yane.html )
Na quarta-feira, foi a vez de, após exibição de documentário de Lúcio Flavio Gondim, sobre o poeta do azul, Edmar Gonçalves, Luciano Robot, Rogério Franco e Gilmar Nunes subirem ao palco (veja texto, fotos e vídeos em
https://blognossamusica.blogspot.com/2024/09/eles-cantam-fausto-show-com-rogerinho.html
Nesta quinta, após Calé Alencar convidar ao palco as quatro cantoras e Alan Kardec ao violão, Apá Silvino, voz e teclado, abriu os trabalhos com o lirismo "roadsong" de "Retrovisor", de Fausto e Fagner. "Vejo a manhã de sol entrando em casa, iluminando os gritos das crianças, os momentos mais bonitos na lembrança não vão se apagar...".
"Viver e reviver", versão de Fausto para "Here, there and everywhere", foi também recriada por Apá com sua voz intensa, certeira, afinadíssima, capaz de expressar para o último espectador da última fileira do teatro a interpretação personalíssima da cantora, professora, compositora.
Vez então de Roberta Fiúza convidar o público a cantar "Amor nas estrelas", de Fausto e Roberto de Carvalho, exemplificada no debate com Marcos Sampaio pelo grande intervalo na melodia bem no início da canção. "No aaaaalto de uma montanha", como a brincar entre significado e significante, com a altura a subir, ao escalar ou ao cantar.
E que maravilha ouvir Roberta interpretando a intimista, lírica "Casa, comida e paixão", de Fausto e Dominguinhos, com quem o autor cearense tem uma safra inspiradíssima, incluindo muitas melodias inéditas esperando por letras. Entre os diminutos da harmonia, o caminho melancólico da expressão, com direito a um apelo da cantora para que os/as artistas da cena musical cearense estejam mais unidos, "se frequentem", estejam nos shows uns dos outros, umas das outras, fortalecendo a produção de todos/as.
Durante o bloco de canções interpretadas por Roberta Fiúza, Fausto chega ao centro cultural, trajando camisa azul e revelando estar gripado. Recebido pela poeta Sara Síntique, produtora da programação especial de aniversário do compositor, acomoda-se na primeira fileira mas mais distante do centro do palco. Sua presença sensibiliza a todos/as, no palco e na platéia.
Lídia Maria chegou então com "Pedras que cantam", outra de Fausto e Seu Domingos, citada como epígrafe do trabalho acadêmico de Marcos Sampaio, que ressalta bastante a preocupação social como uma presença constante nas letras do compositor cearense, por mais que este advirta sempre ter resistido a um caminho mais "explícito" ou "panfletário" da canção. Essa consciência social se mostra de modo muito mais elaborado, e nem por isso menos frequente na produção do autor.
"Eu também quero beijar" vem na voz suave de Lídia, com um tempero mais balada no arranjo tradicionalmente mais suingado dessa parceria Fausto-Pepeu Gomes. E que bom que Lídia escolheu "Dezembros" (Fausto e Zeca Baleiro), descrita por ela como "uma música muito difícil" para fechar sua participação, acertando ao escolher uma página da história mais recente de Fausto, canção de arranjo que torna impossível não lembrar a guitarra contundente de Cristiano Pinho, da gravação original, mas que ficou muito bem em versão acústica, com Lídia e Alan Kardec.
Clara Dourado assume então o vocal principal para recriar "Postal de amor", de Fausto e Fagner, que vem sempre fazendo parte do show de Ney Matogrosso, país adentro. Uma canção intensa e misteriosa, como tantas de Fausto, que aparece interpretada pela voz diferente de Clara, sentada sobre as pernas, em postura diferente das colegas de palco. Assim ela passa por "Equatorial", ao lado do violão do pai, Calé Alencar, em um arranjo que tenta mas não consegue resistir à pulsação do reggae. E encerra sua parte com "Chorando e cantando", de Fausto e Geraldinho Azevedo, dedicada a um pequenino espectador: "Não é uma canção fofinha, mas é a música que o meu filho mais gosta e que ele ouve toda noite, antes de dormir".
Ao final do show, Apá convida Fausto para cantar com as quatro artistas dois dos grandes "números" que "preparou" para outros carnavais, nestes 80 anos: "Zanzibar" e "Bloco do prazer", interpretada por Fausto, que ressalta estar gripado, mas mesmo assim solta a voz ao lado de Aparecida, Roberta, Lídia e Clara. Fim de três dias de programação dedicada ao cearense que mais parceiros e intérpretes coleciona na música do Brasil. Viva Fausto, em seus 80 anos. Que venham mais e mais e mais novas canções!
Postar um comentário