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Festival "Bora": Prefeitura de Fortaleza anuncia evento com o mesmo nome de movimento que está completando 15 anos. Escolha ou desconhecimento? Opção ou invisibilidade?




O Movimento Bora - Ceará Autoral Criativo está completando 15 anos, desde o início de suas ações. E preparando uma série de ações para comemorar a data, incluindo projetos apresentados a editais públicos. O movimento reuniu cerca de 100 músicos, pelo menos, dos quais 74 participaram do disco coletivo lançado pelo grupo em 2010, entre cantores, compositores, instrumentistas, ao longo de 20 faixas do CD, que tem como capa imagens do Passeio Público. O mesmo local onde o grupo realizava todos os domingos ensaios abertos e shows, com apoio da Secretaria da Cultura de Fortaleza, na gestão da prefeita Luizianne Lins e da secretária Fátima Mesquita. O projeto também deu origem a outros, como "Quanto Vale Uma Canção", "Um Mais Um é Mais que Dois" e realizou por três anos atividades de valorização do espírito coletivo e de divulgação da nossa cena, incluindo a Mostra Bora Ceará Autoral Criativo.

Integraram/integram o Bora nomes como Alan Mendonça, escritor, compositor, dramaturgo (Prêmio APCA de Dramaturgia, Prêmio Shell de Teatro, categoria Música, Premio Ideal Clube de Literatura, Prêmio Martins Filho da Academia Cearense de Letras, autor de obras executadas pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e por orquestras internacionais, artista com dezenas de livros lançados, discos, documentários, espetáculos teatrais...); Davi Silvino, cantor, compositor e regente do Coral do IFCE, o mais importante do Estado atualmente; Aparecida Silvino, Davi Silvino, Joyce Custódio, Carlos Hardy, Felipe Breier, Marco Fukuda, Jefferson Portela, Lídia Maria, Breculê, Renegados, Argonautas, Cinco em Ponto, entre vários outros. O disco do movimento documenta de forma importante essa pluralidade, assim como inúmeras matérias de jornal da época e depoimentos de protagonistas do nosso campo cultural, como Rosemberg Cariry e Izaíra Silvino.

Integrantes do movimento e muita gente que constrói e/ou acompanha a cena musical cearense foram surpreendidos nesta quinta-feira, 26/6, com o anúncio, pela Prefeitura de Fortaleza, através do Instituto Iracema, de um "novo festival" para substituir o antigo "Férias na PI". Uma mudança de nome que, para muitos, visa dar destaque a uma nova "marca" e deixar para trás aquela utilizada na gestão municipal anterior. 

E fica a questão: anunciar um novo festival de música utilizando o mesmo nome de um movimento de artistas também da música que está completando 15 anos de história foi algo deliberado - uma opção avaliada e tomada, mesmo se sabendo do ruído que poderia haver a partir da utilização do nome - ou uma escolha feita sem conhecimento da história do "Bora" original e de seus tantos integrantes, artistas e trabalhadores da cultura? 


Em ambos os casos, o Município fica em situação delicada, em sua missão mais basilar, de, com embasamento, conhecimento, informação e propriedade, decidir, planejar e implementar escolhas de política pública para a cultura, em prol dos direitos culturais da população. 

Se a gestão sabia do movimento anterior, e decidiu mesmo assim utilizar o mesmo nome, teria custado tanto procurar os integrantes do "Bora" e dialogar a respeito? Não teria sido a atitude adequada a tomar, buscando construir junto de forma respeitosa com - e sem considerar invisíveis - os que se dedicaram a construir o coletivo, de 2010 a 2012?

Se a gestão não sabia do movimento anterior e escolheu usar o nome apenas pelo caráter publicitário e coloquial do termo "Bora", confirma-se que existe uma grande lacuna quanto a informações básicas, para quem está responsável pela execução da política cultural. Há tempos se tem debatido as dificuldades de diálogo, de retorno concreto a documentos e reivindicações da sociedade civil apresentadas aos órgãos da política cultural no Ceará, o distanciamento entre quem toma decisões, quem tem poder de escolha de política pública, e quem está na ponta, lutando para sobreviver com cachês de equipamentos públicos que demoram 60, 90 dias ou mais a ser pagos, para ser lembrados em programações e eventos na própria cidade (enquanto "grandes nomes" de fora, inclusive sem ligações com Fortaleza ou o Estado, como se vê frequentemente nos "grandes eventos"). 

Essa é uma realidade difícil de contestar. Além da rara presença de gestores inclusive na programação dos próprios equipamentos públicos sob seu "guarda-chuva" de coordenação, sendo muito pouco frequente vê-los nas plateias, enquanto deveriam haver presença planejada, organizada e permanente não só nos equipamentos públicos, mas nas casas da iniciativa privada, nos ateliês, nos bairros, nos espaços de ensaios, nos pontos de cultura, nas ocasiões relevantes para a cena e seus integrantes. Enquanto artistas de outros estados são prestigiados com a presença de gestores, ou ações internacionais ensejam viagens de delegações (e não se deve deixar de participar destes momentos) à Europa, muitos eventos em Fortaleza têm dificuldade de ser percebidos pelos gestores. Recentemente os shows coletivos realizados em solidariedade a uma grande intérprete cearense exemplificaram essa realidade. Nenhum representante de Secult ou Secultfor ali esteve. Como se esses momentos, esses artistas, essa cena fosse invisível. Pairasse lamentavelmente abaixo da linha do radar da gestão da política cultural, de forma difícil de compreender ou aceitar.

A hipótese de invisibilidade do movimento "Bora - Ceará Autoral Criativo" e de seus integrantes pela gestão municipal de Fortaleza precisa ensejar reflexões e mudanças. Como está configurada a política de artes no Município? Há tempos não há mais a Comissão de Linguagens e Segmentos Artísticos, que, na gestão Luizianne, era fundamental para construir diária e permanentemente uma interlocução com a sociedade civil, um diálogo constante. Por mais que não se pudessem resolver todos os problemas, era mais fácil que fossem percebidos, conhecidos pela gestão, e que daí houvesse um diálogo, uma mediação. Espera-se que quem carrega a missão de cuidar da política cultural conte com assessoria adequada para reunir informações que podem ser relevantes para uma tomada de decisão. Em meses de preparação do novo evento a ser realizado na Praia de Iracema, ninguém, nenhum servidor ou servidora, alertou para a coincidência de nomes? 

Embora nem devesse ser necessário, vale ressaltar que a crítica aqui levantada e os questionamentos colocados nada têm a ver com os/as colegas músicos escolhidos para a programação do novo festival. Seria sim muito bom que a sociedade tivesse amplo acesso a detalhes sobre a curadoria, os critérios, a escolha de política pública. A programação representa um enorme avanço em relação àquela do aniversário de Fortaleza, realizado neste ano, que causou forte estranhamento, por parecer mais uma programação típica da gestão municipal anterior, privilegiando o dito "grande mercado" e ignorando uma mínima representatividade de tantas vertentes de nossa produção musical. Apesar de também ter lacunas, o que poderia ser amenizado se houvesse diálogo prévio com a sociedade e não somente uma publicação da programação "pronta e acabada", é nítido que se avançou muito quanto a diversidade, representatividade, pluralidade, tanto das atrações da cidade quanto dos convidados. E teríamos multiplicidade de propostas para que a programação fosse ainda muito mais diversa.

Espera-se que o Instituto Iracema e a Prefeitura de Fortaleza esclareçam a questão sobre o "Bora", levando em conta ainda que a utilização do termo, sem esse referencial histórico, sem alusão a esse contexto, sem um reconhecimento aos artistas que integraram o movimento de 2010 (cujos 15 anos bem poderiam ser o mote de comemorações puxadas pela própria gestão municipal) dificulta muito, a partir de agora, a continuidade das ações do grupo, nos projetos para celebração da data. Diante do grande poderio de comunicação de uma ação do Poder Público, os integrantes do Bora original certamente terão dificuldades para explicar a identidade específica do coletivo/movimento e para dar prosseguimento aos projetos. O que bem poderia ter sido evitado, com a opção por outro nome para o festival municipal, ou com o devido alinhamento prévio, por meio do bom e velho diálogo. Bora conhecer mais da história (recente) da nossa música e cuidar melhor da nossa política cultural?

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Autores/as e intérpretes do disco Bora - Ceará Autoral Criativo, de 2010


Álbum coletivo produzido pelo escritor, produtor cultural e compositor cearense Alan Mendonça foi uma das iniciativas do movimento cultural Bora - Ceará Autoral Criativo e faz um recorte da pluralidade da cena autoral cearense.



1 – Retumbante (Edinho Vilas Boas) – Edinho Vilas Boas


2 – Cataventos (Enquanto a cidade dorme) (Rafael Torres / Alan Mendonça) – Argonautas


3 – Barruada Gá Gá (Fabrício da Rocha / Pedro Fonseca / Fábio Marques) – Breculê


4 – Bora! (Davi Silvino / Alan Mendonça) – Miss Cauim


5 – A Cara do Brasil (Jefferson Portela) – A Engrenagem


6 – Às Três (Jânio Florêncio) – Jânio Florêncio


7 – Baião Manso (Marco Leonel Fukuda) – Marco Leonel Fukuda


8 – Cine Fome Mulher (Gledson Rocha/Gleucimar Rocha) – Eletrocactus e Jácio Cidade


9 – Grito (Marcelo Pinheiro) – Renegados


10 – Quase ao Meu Lado (Marcos Paulo Leão/Alan Mendonça) – Marcos Paulo Leão e Janaína Braga


11 – E Hoje o Trem Partiu (Carlos Hardy/Wagner Mineiro) – Encontros Casuais


12 – Desejo (Wilton Matos/Joyce Custódio/Alan Mendonça) – Wilton Matos


13 – Breu de Mim (Jácio Cidade/Marcus Rocha) – Cinco em Ponto


14 – Marias de Luz (Aparecida Silvino/Alan Mendonça) – Aparecida Silvino


15 – Reis do Nordeste (Rodrigo Claudino/Osvaldo Zarco) – Fulô da Aurora e Osvaldo Zarco


16 – Brincadeira (Lenine Rodrigues/Alan Mendonça) – Felipe Breier


17 – Guia da Pureza (Lifanco / Bosco Lisboa) – Lifanco e Bosco Lisboa


18 – Mesmo que Seja Tarde (Carlos Hardy/Alan Mendonça) – 4deCada


19 – Ponte Velha (Marcus Rocha) – Lídia Maria


20 – Uma Flor de Samba (Joyce Custódio/Lidiane Limaverde /Lise Lopes/Paula Moura/Alan Mendonça) – Joyce Custódio e Esquina Brasil



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