Juruviara: grandes canções e interpretações na Caixa Cultural. Confira como foi o show deste domingo

 


"Cantar será melhor! Cantar será melhor!". Um dos cantores e compositores de maior destaque na cena cearense nos últimos anos, Juruviara encerrou neste domingo uma curta temporada na Caixa Cultural Fortaleza, espaço bonito, com teatro para 180 pessoas aproximadamente e que está retomando atividades após uma looonga pausa desde o início da pandemia. 

A Caixa Cultural é mais lembrada, entre os que fazem a cena cearense, como espaço em que assistiram a shows de artistas "nacionais", com esforço de filas às 10h da manhã para batalhar ingressos que se esgotavam rapidamente, do que pela presença de artistas de Fortaleza ou do interior do Estado em seu palco principal. 

Felizmente, parece que essa realidade começa a mudar, ao menos um pouco, com a presença de mais cearenses. Seja por iniciativa e financiamento próprios dos artistas, como aconteceu no show "Futuro e Memória - Música do Ceará", que realizamos no espaço em duas noites no final de agosto, sem suporte de edital, seja agora com a execução dos projetos selecionados pelo edital da Caixa, um dos mais concorridos e desafiadores.

Foi o caso do show de Juruviara e de uma super banda, com nada menos que oito grandes instrumentistas, contando com o suporte do edital, em projeto aprovado assinado pela produtora cultural e contadora Rebeca. O artista já se havia inscrito diversas vezes no edital anual, até que desta vez conseguiu ser selecionado. 

A infraestrutura que o edital possibilita chama atenção positivamente e deveria ser o básico - mas infelizmente é algo ainda muito desafiador para muitos da cena dita "independente", "autoral", ou algo assim. Filmagem do show, captação do áudio em pistas, fotografias, técnicos de sonorização, técnicos de iluminação, intérpretes de Libras, figurino, ensaios em estúdio e na própria Caixa, camarim, logística, material gráfico, assessoria de comunicação e marketing... Que bom!

Porém, mesmo para os aprovados, ainda há muitos desafios, como, no caso da minitemporada de Juruviara - e é infelizmente tão difícil fazer temporadas em Fortaleza, para artistas desse segmento - a própria divulgação dos shows ter-se dado com muito pouca antecedência. Uma pena, porque o resultado do edital como política pública acaba chegando a menos gente do que seria possível se houvesse mais tempo para comunicação e mobilização. O teatro certamente ficaria lotado, com gente voltando da porta. E muito mais pessoas veriam os espaços de divulgação, saberiam dos shows, teriam a oportunidade de reconhecer ou de conhecer o artista.

Mesmo assim, a noite de domingo contou com um público interessante, mais de meia casa - e acima de tudo interessado no show. Cada canção foi recebida com atenção, foco (coisa que um teatro fechado possibilita) e muitos, muitos aplausos. A interpretação de Juruviara é marcada por uma espontânea intensidade, reforçada em um show em que ele toca violão em poucas músicas, cantando diante de uma banda com músicos do nível de expertise de Freitas Filho (acordeom, direção musical e parceria na canção mais nova do show), Hanry Gael (saxofones e flauta), Filipe Mota (contrabaixo), Ricardo Pontes (bateria), Ígor Ribeiro e Valdécio Soares (percussões), Lu D´Sosa (guitarra) e David Simplício (violões aço e de sete cordas). 

Todos brilham muito, cada um a seu modo e todos juntos na maior parte do show, entremeado com músicas apresentadas somente por voz, violão e sax, ou voz, violão e guitarra, ou apenas voz e violão, alternando as dinâmicas e ajudando as canções a chegarem ao público em formações pensadas para as características de cada composição. Todos os músicos se colocam principalmente na tarefa de enriquecer e atender a cada canção, priorizando a musicalidade, o contexto, a base para que Juruviara possa desenvolver plenamente sua interpretação.

"Querê querer cantar"

E as canções escolhidas por Juruviara para o show especialíssimo na Caixa Cultural Fortaleza, com Airtinho Montezuma e Bolinha na sonorização, Mateus Coruja como roadie/diretor de palco, Tainá Cavalcante nas fotografias, Sal Filmes nos registros audiovisuais, entre outros vários profissionais que receberam agradecimentos emocionados do artista, foram simbolicamente iniciadas com "É tudo verdade", de Petrúcio Maia e Abel Silva. "Tudo é verdade, coração, desde que sintas, desde que não mintas jamais". E Juru sentiu, chegando a enxugar as lágrimas em certo momento do show. "Eeeita! Tá rolando uma emoção".  

Mas, apesar de a noite contar com belas recriações para "Flora" (Ednardo, Dominguinhos, Climério), "Meu cordial brasileiro" (música entre as nem sempre lembradas de Belchior) e até para uma canção do compositor paraibano Titá Moura, "Reforma agrária", apesar do título uma bem-humorada e ao mesmo tempo lírica canção de amor, são principalmente as composições de Juruviara que formam a essência e o destaque do show. 

E isso apesar de o espetáculo contar com um brilho à parte ao abrir espaço para três parcerias do saudoso mestre Tarcísio Sardinha, saudado pelo intérprete e homenageado com muitos aplausos, com o compositor Fernando Rosa, presente na plateia. Fernando integra com Juruviara e Edinho Vilas Boas o grupo do show "Pra se Misturar", idealizado por nós. As canções de Sardinha e Rosa são três belíssimos momentos e uma verdadeira e justíssima celebração àquele que foi também uma das grandes referências musicais de "Juru" e de sua geração. "Pra cuidar do querer", "Mistérios do mar" e "Canção pra Dominguinhos" estão entre os mais belos momentos do show e reforçam que precisamos, com urgência, de um projeto para salvaguarda e maior divulgação da totalidade da obra musical de Sardinha.

"Cantigas de Juru"

Além de um intérprete de intensidade e muita personalidade, Juruviara é principalmente um grande compositor, entrelaçando a criação musical, o canto, o violão, de uma forma muito, muito íntima e próxima, muito característica. Como se as canções nascessem para o intérprete e o intérprete intuísse as melhores formas de compreender, sentir, transmitir "o que o compositor lhe disse". Uma união, uma coesão, uma coisa só.

"Cantiga" exemplifica essas características, na mesma vertente de canções como "Ame sua maneira de amar". "Asa", vencedora de festival, chega com outra das características de Juruviara como autor: uma inspiração nordestina, uma regionalidade longe de estereótipos e perto de uma sinceridade percebida pelo ouvinte. Matiz reforçada pela mudança de tempo no refrão, com a banda brilhando desde o começo do show.

A pungente, intimista e filosófica, algo melancólica "Ei, moço" é outro destaque do show, canção em que o artista expõe e compartilha com o público outro tema muito presente em suas obras: a viagem, a estrada, o caminhar e o caminho compreendidos como metáfora da busca interior, do perguntar-se quem se é, para onde se vai, de que modo se sente nas noites escuras, nos tempos difíceis, nas longas distâncias, nas povoadas solidões, nas chegadas incertas, na alma gritando em silêncio, no divino das coisas mundanas, no coração sempre a muito mais que mil.

Inconsciente metacanção, "Querê querer" bebe de tudo isso ao refletir sobre o próprio exercício de criar canções, conduzir a palavra, saber aonde ela quer chegar. "Mariana" é outro grande exemplo desse universo lírico de Juruviara, seu maior sucesso até hoje, reconhecida pelo público e interpretada também por colegas como Theresa Rachel, presente ao show deste domingo. Uma bela canção, que já nasce como um merecido clássico, para o presente e o futuro breve de nossa cena. "Casas da memória" também pode ser lida por esse prisma, entre Pasárgada e Strawberry Fields ou "There´s a place". O lugar que deve existir, de "A moça do sonho". O espaço-tempo-sensação-sentimento, horizonte sempre a buscar. 

E outra a sintetizar esse eixo é "Teletransporte pra Quixadá", com que Juruviara encerra o show. Um baião denso, "valendo", em que os músicos voltam a brilhar, desta feita ao lado da voz e do violão de "Juru". "E quase caí na besteira de querer chorar". Mas "por onde andei, hoje eu sei passar". Que o poeta Juruviara, nome de pássaro, que ganha o palco senhor da ciência de interpretar, voe e ganhe cada vez mais asa, com suas canções.









   




  


   

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