Edinho e Edmar: aplausos aos cúmplices na estreia do show que marca o encontro de dois dos maiores intérpretes do Ceará para o Brasil

 

Edinho Vilas Boas, Edmar Gonçalves e Alan Kardec: "Cumplicidades" entre gerações, dos encontros no "Espetinho" ao palco do Theatro ViaSul

Edinho Vilas Boas e Edmar Gonçalves são dois dos maiores cantores e compositores da música do Ceará para o Brasil. Acima disso, são dois imensos intérpretes. Sim! Daqueles que mobilizam, além do ouvido, o olhar do público. Que congregam características subjetivas de extrema sensibilidade, em cada gesto, jamais gratuito, fortuito ou fruto do acaso, ao pisar o palco. Da linhagem daqueles dotados com o poder e o mistério da interpretação - o que inclui o canto, a respiração, a técnica vocal, a beleza de timbre, a escolha acertada de tonalidades, a inspiração e a transpiração na composição própria e na seleção de repertório... Mas também tantos outros elementos, diferenciais, características.

No show que estreou nesta quinta-feira, 24/10, no Theatro Via Sul, reunindo bom público em uma semana em que Fortaleza respira quase que exclusivamente a tensão de um processo eleitoral dos mais decisivos nacionalmente, Edmar e Edinho deram uma aula deste "algo a mais" (ou "muito mais") que significa o ser intérprete. Um feito para os cantores e compositores, neste momento em que muitos - artistas, técnicos, produtores, público - estão focados na tarefa de impedir um avanço da extrema direita que ataca artistas, técnicos, produtores, público, música, arte, cultura.

Ao lado de Allan Kardec, na guitarra e no bandolim, com direção geral e produção do jornalista, pesquisador musical e escritor Marcos Sampaio, com iluminação e direção cênica cuidadosamente assinados por Hertenha Glauce (fazendo uma enorme diferença no resultado final, em uma cena em que um mapa de luz para um show infelizmente ainda é um luxo), Edmar Gonçalves e Edinho Vilas Boas promoveram um belo e intenso encontro. 

Não por acaso a clássica frase de Vinicius, sobre a vida como arte do encontro, foi destacada por Marcos Sampaio na abertura do show, que coroou um processo de idealização, preparação, ensaios, reuniões informais, planejamento, divulgação, produção que amadureceu e deu ainda mais liga à união entre Edmar e Edinho - que já havia sido testada em uma pré-estreia na programação especial de aniversário do Centro Cultural Banco do Nordeste, de onde se tiraram as fotos de divulgação do show desta quinta, a estreia propriamente dita do espetáculo intitulado "Cumplicidades". 

Produção bem cuidada

Com um cuidado que também passou pelo figurino, pelas entradas, saídas e reentradas no palco, por momentos separados para improvisação e conversa com o público - por exemplo, sobre os tantos causos dos "cantores da noite", condição bem conhecida tanto por Edinho quanto por Edmar, o show ganhou muitos aplausos, em especial em momentos em que as interpretações conjuntas acrescentaram novas cores e forças às canções. 

O violão destro de Edinho, com suas características rítmicas, percussivas, e sua precisão nas conduções e frases, se uniu ao violão canhoto de Edmar, com sua intuitividade e sua simplicidade também evidenciadas pelos movimentos da mão direita em clássicos como "Em cima do tempo", de Edmar e Marcos Lupi, gravada por Flávio Venturini e lembrada por Edmar como tendo sido apresentada - e premiada - no Festival de Meruoca. 

Na verdade, foi na penúltima edição do Festival de Camocim que Edmar apresentou a música levando a tiracolo o então "menino" Cainã Cavalcante para tocar junto. "O Ronaldo Cavalcante não tinha sido classificado, mas queria ir pro festival. Aí me disse pra falar pra produção que eu precisava levar o Cainã pra tocar comigo. E assim foi todo mundo pro festival. Depois disseram que a música foi premiada porque 'o Edmar levou uma criança pra tocar, pra sensibilizar o júri'", relembrou, entre risos.   

O irrequieto Edmar

Edmar também captura o olhar do espectador o tempo todo pelos contínuos movimentos no palco, na presença cênica do corpo, seja na dança das pernas enquanto o intérprete canta e toca violão, seja nos gestos amplos com as mãos, quando canta sem se acompanhar. É um show à parte! Muita gente ficou ligada nessa interpretação corporal, reforçada pelo cuidado cênico com o show, com todo o trio. Edmar até brincou ao contar a história de uma cantora que, digamos, exagerava nos gestos, ao interpretar equivocadamente trecho de uma das mais famosas canções de Djavan: "Ai, num vou, na natureza...", brincou, com direito ao dedinho balançando reforçando a "negativa a ir".

Por sua vez, Edinho Vilas Boas segue voando alto e arrebatando totalmente o ouvinte, ao exercer a tal misteriosa e transcendente condição de intérprete. É cada vez mais forte sua conexão com o público, levando as canções a outro patamar. Seja nas músicas mais ritmadas, que favorecem ainda mais esse movimento, como "Retumbante", recentemente premiada no Festival Nacional da Canção, em Minas Gerais, seja nas mais cadenciadas, como a linda bossa-bolero-samba-canção "Pra sempre luz", parceria de Edinho com Rui Farias. Seja na marcante "Lâmina cega", de Edinho e de Luis Lima Verde, presente na platéia, música também classificada para o festival. Edinho e Luis são autores também do "Soneto do poeta morto-vivo", que infelizmente não entrou no repertório desta noite. Pelo menos, desta vez. 

Do outro lado do palco, Edmar Gonçalves tocou ao violão "Miragem" para Edinho cantar e a plateia se emocionar também pela presença do parceiro de Edmar, Evaristo Filho, que foi prestigiar o show e reencontrar os colegas compositores. Criadores como Chico Araújo, parceiro de Edinho na linda "A liberdade de viver", canção de estreia da dupla e vencedora do II Festival de Música do Cais Bar da Redonda. 

Do "espetinho" ao Theatro ViaSul

A dupla também teve oportunidade para falar do encontro reforçado em cumplicidade nas noites de terça-feira em Fortaleza, marcadas por informal e animado encontro de músicos - sem violão, nem nenhum outro instrumento. "Apenas" para confraternizar e compartilhar planos, sonhos, perspectivas. Tudo sob a batuta do maestro Luciano Franco, multi-instrumentista e compositor e arranjador e diretor musical, que reúne a cada semana os colegas, para bons dedos de prosa. Pois foi ali, molhando a palavra e respirando das correrias eternas da vida 24x7, que Edinho, Edmar e Marcos Sampaio chegaram à ideia do show, arregimentando mais tarde o onipresente Alan Kardec e a aplaudida Hertenha Glauce para se somarem ao espetáculo.

Petrúcio, presente!

Um dos momentos mais marcantes, cênica e musicalmente, foi a recriação do clássico "Passarás, passarás, passarás", de Petrúcio Maia e Capinan, em homenagem a Téti, a ave mãe da canção cearense, que recentemente celebrou 80 anos com um belíssimo show coletivo no Cineteatro São Luiz. Com a marcante intro da canção na guitarra de Alan Kardec, Edmar e Edinho acrescentaram, cada um, novas camadas, às vezes de intensidade, noutras de suavidade, à belíssima canção, uma das mais inspiradas composições da história da música brasileira. Que, inclusive, foi apresentada por Téti e Marcos Lessa, no citado show no São Luiz. Que esta e outras gemas preciosas de Petrúcio possam estar mais presentes em shows e, tomara, também em gravações. 

Ao final, Edmar e Edinho uniram "Em cima do tempo" e "Retumbante", em canto e contracanto, agradecendo a todos/as que contribuíram com o show e cumprimentando especialmente o público, em que se destacavam desde poetas e compositoras como Alana Alencar, artistas visuais como Mano Alencar, entusiastas da música e da poesia como Eudes e Galeara, Vânia Porto Rogério (esposa do mestre Rodger Rogério), Iza Dorian (viúva do compositor Eason Nascimento, que teve muitas canções interpretadas por Edinho), entre tantos outros e outras. Todos cúmplices de Edmar, Edinho, Alan, Marcos e da cena musical do Ceará para o Brasil. 

"Nós somos cúmplices, nós dois somos culpados...". Edmar e Edinho recarregaram as baterias e as esperanças dos ouvintes, em um necessário respiro, antes de um grande desafio. "Aceita o som dos teus tambores, nossa aldeia". "Tenta ser como um pássaro. E passarás as penas. Tenta apenas ultrapassar o penar". Vivam a música e os músicos do Ceará. Vida longa ao "Cumplicidades"! 

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