Fausto Nilo e Zeca Baleiro: um bruto sucesso em Quixeramobim. Emoção e confidências no show em frente à Casa Tudo Azul. Saiba como foi
Imagine um show de Fausto Nilo, que neste 2024 vem celebrando seus 80 anos, recebendo em frente à casa de sua infância, em Quixeramobim, a Casa Tudo Azul, hoje a Casa de Antônio Conselheiro, um de seus grandes parceiros e intérpretes e fãs: Zeca Baleiro. Foi assim o pocket-show que atraiu grande público, chegando a provocar breves e singelos conflitos na luta pelo melhor lugar, e dificuldade de circulação na calçada da Casa, nesta segunda-feira, 28/10, em um começo de noite marcado por expectativa dos conterrâneos do grande compositor brasileiro e pela apresentação de crianças da escola municipal C.E.I Nazira Skeff.
O encontro, simbólico ao extremo, marcante por definição, integrou o projeto "Musicou Convida", com participação também de alunos do Núcleo Musicou Quixeramobim, e ocorreu em conjunto com a exposição “Fausto Nilo: o tempo e o lugar”, aberta ao público justamente na Casa de Antônio Conselheiro. Pena que, com a decisão, plenamente justificada do ponto de vista da simbologia do local do show, de montar o palco bem em frente à casa, não foi possível ao público, nesta segunda, visitar a exposição.
A Casa Tudo Azul testemunhou o ror de gente que acorreu para a frente de sua soleira, em plena segunda-feira, depois de um processo eleitoral que desafiou os nervos e o coração de muitos em Fortaleza. Gente que se deslocou até Quixeramobim para um alento, um respiro, um momento de confraternização, música e poesia, entre o almoço no restaurante Pé da Serra, em Quixadá, até o pôr do sol na ponte metálica da cidade natal de Fausto, relembrando a passarela vermelha do Centro Dragão do Mar, em Fortaleza. A rua da Casa de Antonio Conselheiro, hoje equipamento cultural estadual, recebeu grande público desde o fim da tarde, com a população de Quixeramobim abraçando Fausto, neste ano dos 80.
E recebendo com muitos aplausos também, pela primeira vez na cidade, Zeca Baleiro, que juntamente com Fausto Nilo subiu ao palco inicialmente para cantar "Dona da minha cabeça" em uníssono com a criançada que antes apresentara "Chorando e cantando" e "Você se lembra" (todas de Fausto e Geraldinho Azevedo). Zeca e Fausto, parceiros de composição com destaque para as canções reunidas no projeto que lançaram em parceria com Raimundo Fagner, com a participação de grandes instrumentistas cearenses, como Adelson Viana e o saudoso Luizinho Duarte, infelizmente não escolheram nenhuma canção da parceria, desse ou de outros trabalhos, para mostrar na apresentação desta segunda.
Depois de ambos cantarem junto com a criançada, Zeca ficou no palco para dar início aos trabalhos, escolhendo vários de seus "superclássicos", como "Lenha", "Babylon" e "Bandeira", para colocar o público pra cantar. Fausto subiu ao palco minutos após as 20h e comentou que o parceiro que convidou para esta noite é "de uma idade bem diferente". "Nem tanto", brincou Zeca.
Com a palavra Fausto, que estava emocionado - e inspirado! "Eu recebi convite pra ir no show dele no Dragão do Mar. Ele
era recém sucesso. Eu fui. No final uma pessoa me conduziu pra ir no camarim,
pra me apresentar a ele, falar com ele. E tinha muita gente pedindo autógrafo. Eu
achei que tava atrapalhando ali um pouco, fiquei meio encabulado. Eu disse ‘Cara,
vou te atrapalhar muito’. E ele: ‘Não, não, não, não... Eu quero conversar com você.
Eu ouço suas músicas desde jovem, eu quero conversar com você’”.
"Começou minha amizade com ele, que virou também uma parceria. Fizemos algumas canções. Fizemos um disco especialíssimo, que produzimos praticamente juntos, ele e o Fagner cantando, mas a gente compôs varias parcerias".
"E hoje eu fico emocionado de ver essas crianças cantando. Lindo ver criança cantando. E ao mesmo tempo estar diante da minha casa, com meu parceiro, da mesma maneira que trouxe aqui Moraes Moreira".
"Eu vou cantar uma música. Às vezes a poesia tem uns caminhos estanhos. A gente faz, e é feito por ela enquanto faz. Não sei se dá pra compreender isso. Você vai se transformando. E quando eu terminei, alguém olhou e disse: ‘Mas isso aqui é pra tua mãe?’. ‘Não, eu achei quando terminei que era pra minha casa, onde eu vivi criança lá, em Quixeramobim”. Aí a pessoa disse assim: ‘Mas casa às vezes é mãe’".
"Então, pra essa casa querida e pra minha mãe, encontrei a parceria do Dominguinhos. Ele me deu uma melodia tão bonita!... Ai eu escrevi isso que eu vou cantar agora. Eu tô falando delas duas".
E você sabe bem que esse retrato
Ficou na felicidade
Que eu nem sei onde andará
Hora e vez então do clássico "Dorothy Lamour", anunciado por Fausto com direito a uma história para os mais novos. "É porque... Não tava preparado. Eu posso cantar sem ele acompanhar. Só pra dar uma... “Dorothy Lamour”.
"Então quando eu fiz minha primeira canção, com o Fagner, fiz com outro assunto. Mas quando fiz a segunda, com o Petrúcio (Maia), fiz sobre a atriz Dorothy Lamour. Tenho uma cunhada que a irmã era repórter de Hollywood. E nas férias ela tinha preparado pra gente visitar a Dorothy Lamour, ela com 102 anos, mais ou menos. E eu não tive coragem! Eu não fui. Agradeci mas não fui. Porque pra explicar pra ela como é que ela tava no meio daquela canção... Eu ia falar também sobre a influência excessiva de um país que depois da Segunda Guerra tornou-se dono do mundo, que são os Estados Unidos, mas agora as coisas... Estão tentando, quem sabe, se equilibrar. Mas eu não ia dizer isso pra ela. Então eu não fui...".
E "Dorothy Lamour" foi cantada principalmente pelos "mais experientes". Diferentemente de "Chorando e cantando", em que todo o público seguiu o compositor do começo ao fim. "Que emoção", emendou Zeca, ao final do clássico começado com "Quando fevereiro chegar...", uma das mais brilhantes - entre tantas incríveis - letras de Fausto.
"A gente veio na viagem lembrando de várias músicas do Fausto, e eu lembrei dessa aqui. Canta lá pra gente. Eu só sei o primeiro verso: 'A flor do desejo e do maracujá...'.". E um novo coral se estendeu sobre Quixeramobim.
Depois de cantar, Fausto retomou a palavra, falando sobre o caminho compartilhado com Zeca até o show desta segunda-feira. "Ele sugeriu hoje na nossa viagem uma brincadeira. Olha, aqui em frente isso tudo era areia. Aqui não tinha pavimento. A cidade era de areia. Era menos quente, viu? Era menos quente...".
Eu vi a fumaça da pólvora
Eu vi a corneta bradar
Eu vi a fumaça da pólvora
Eu vi a corneta bradar
Eu tava na ponta da rua
Eu vi a rua se fechar
Eu tava na ponta da rua
Eu vi a rua se fechar
Eu vi o Antoin Conselheiro
La no alto de Canudos
Eu vi o Antoin Conselheiro
Lá no Alto de Canudos
Com cento e oitenta praça
É amor, é amor, é amor
Com cento e oitenta praça
É amor, é amor, é amor
Eu tava na ponta da rua
Eu vi a rua se fechar
Eu tava na ponta da rua
Eu vi a rua se fechar
Eu vi a fumaça da pólvora
Eu vi a corneta bradar
Eu vi a fumaca da pólvora
Eu vi a corneta bradar
(Palmas. Muitas palmas...)
Eu vi o Antoin Conselheiro
LA no alto da favela
Eu vi o Antoin Conselheiro
La no alto da favela
Com cento e oitenta praça
E mais mil de parabélo
Com cento e oitenta praça
E mais mil de parabélo
Eu tava na ponta da rua
Eu vi a rua se fechar
Eu tava na ponta da rua
Eu vi a rua se fechar
Eu vi a fumaca da pólvora
Eu vi a corneta bradar...
Zeca, mais uma vez sozinho no palco, comentou: "Só música bonita! Tenho inveja. Inveja não. Inveja boa. Dizem que é branca. Isso é racismo. É boa mesmo. Inveja que impulsiona a gente. Precisa desejar o mal do outro não. Só dizer assim: ‘Quero ser bom que nem esse cabra’". E puxou o "Heavy metal do senhor", dedicandopo ao João Artur, filho de um dos fotógrafos que registraram a apresentação no sertão central.
Depois dos agradecimentos, com especial cumprimento "ao coro afinado e elegante de vocês aqui de Quixeramboim", Zeca brincou com a canção de Chico Buarque:
Quando eu nasci veio um anjo safado, um chato de um Querubim, que decretou que eu tava predestinado a ser errado assim. Já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim.
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso em Quixeramobiiim.
Não sei como o maracatu começou, mas vou até o fim...
E depois de "Ai que saudade d´ocê", de Vital Farias, ainda brincou ao se despedir do público que pedia "Telegrama". "O melhor a gente deixa pro fim (...) Tô indo embora que ainda tem um show em Quixadá, daqui a pouco. Obrigado, viu, pelo carinho... (risos) Vou inaugurar uma casa lá também. Uma casa toda verde (risos)".
Também pediu pra reduzirem as luzes e convidou o público a acender os celulares. "Luz para esse mundo de trevas. De desigualdade social. Vamos fazer um mundo melhor!". Na noite desta segunda-feira, sem dúvida, por algumas horas, o mundo ficou melhor pra quem se abraçou e cantou junto, com o maranhense José de Ribamar e com Fausto Nilo Costa Junior, no Quixeramobim.
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