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No Festival Ceará Voador, realizadores debateram os filmes “A Luta de Nzinga” e, com homenagem ao cineasta Elvis Alves, “Noites em Claro”. Confira como foi o debate com Déo Cardoso, Eduardo Cunha e Ricco Sales

 

Ricco Sales, Eduardo Cunha, Déo Cardoso e intérprete de Libras, na noite de quinta-feira, 8/5/25, no Cinema do Dragão do Mar, em Fortaleza, Festival Ceará Voador


O I Festival Ceará Voador promoveu, na noite de quinta-feira, 9/5, na Sala 2 do Cinema do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza, a exibição dos filmes “Noites em Claro”, de Elvis Alves, e “A Luta de Nzinga”, de Eduardo Cunha Souza. Apesar de um problema técnico que levou à interrupção da exibição do segundo filme, o debate realizado logo após foi um dos momentos mais arrebatadores e emocionantes do festival até aqui, com reflexões riquíssimas sobre o racismo estrutural e seus reflexos na prática, somados à desigualdade social, em corpos pretos, como os dos protagonistas de ambos os filmes, em diferentes contextos, mas com uma mesma realidade de luta e de reflexão sobre a própria história, seja no Grande Bom Jardim, “periferia” de Fortaleza, seja em Redenção, sede da Unilab, cenários mostrados nos filmes. Sempre em busca de afirmação para resistir, viver, lutar e transformar a realidade.


Confira a seguir uma transcrição livre, registrando parte do debate, como forma de registro e de compartilhamento deste momento que mexeu com o público, a equipe, todos/as/es que se fizeram presentes.


DÉO CARDOSO, cineasta, mediador do debate, convidado pelo Festival Ceará Voador
A escolha pelo fazer cinema, por viver de arte, viver de cultura. Não só o cinema, mas outras expressões artísticas. Uma escolha que tem efeitos sobre a nossa família, que causa preocupação sobre como vamos viver, como vamos nos sustentar. 

O audiovisual é muito uma busca. A gente perpassa pela ficção ou pelo documentário. Talvez o documentário seja aquele exercício audiovisual em que a alteridade seja mais viva ainda. Pulsante. O acaso é muito importante. A ficção é outro tipo de documentário também. Outro tipo de alteridade.

Começando aqui pelo Eduardo (Cunha, diretor do filme “A Luta de Nzinga”), como é que veio a ideia de escutar a vida, a trajetória da Maria da Luz, que vou chamar de Fonseca, porque ela prefere ser chamada de Fonseca? O que nela te atraiu pra que você decidisse acompanhá-la e transformar isso em arte?

EDUARDO CUNHA SOUZA
Massa! Bom, a ideia do filme e o momento em que eu conheci a Fonseca já vinham de uma pesquisa de um projeto sobre pessoas africanas que estavam estudando ou trabalhando no Ceará. Foi pra um edital da CPLP – Comunidade de Países de Língua Portuguesa. A gente construiu o projeto, ele não foi aprovado, e uma das personagens era a Fonseca.
A gente encontrou nela uma figura muito tranquila, muito firme, apesar de jovem – 21, 22 anos na época. Estando na frente da câmera, ela passava uma tranquilidade pra gente. Não se intimidava.

Por que fazer documentário? Pra mim é muito uma questão de entender o mundo. E me entender no mundo também. Os assuntos que me interessam, que eu pesquiso, têm alguma ligação com essa história de identidade.

O filme parte da história da Fonseca e traz outras camadas também. A gente pode falar do universo feminino, da história do Brasil, da ligação com o continente africano, do período colonial, até do contexto familiar interno. Tem camadas no filme. A intenção é trazer esses elementos no filme pra depois abrir pro debate.

Falando dessa questão do sustento mesmo – do documentário, do cinema como sustento, trabalho, ofício... no início começamos como uma experiência de coletivo, experimentando, pegando a câmera, filmando livremente. E aí essa angústia que eu tinha muito: como vou me sustentar? Como vou pagar minhas contas?

Meus pais ficavam assim também. Eu estudava Publicidade e depois logo fui pro documentário. Eles: "Como assim ‘fazer filme’? Vai trabalhar onde?". Isso é reflexo também do momento do cinema no nosso País. Não temos uma indústria estabelecida. As pessoas não conhecem como funciona. Aqui no Ceará, a gente tava conversando antes aqui, às vezes a gente tá fazendo café, mas tá também pagando contas, emitindo nota fiscal... A gente acaba se desdobrando, aprendendo sobre várias áreas pra poder construir o que a gente quer, contar a história que a gente quer.


DÉO CARDOSO
O Elvis (Alves, diretor de “Noites em Claro”) é um esteta! Sempre buscou uma beleza no plano. Isso tá muito claro no “Noites em Claro”. Me lembro muito das aulas, do “Todas as Cores”, primeiro curta, que ele sempre teve uma preocupação com a beleza do plano. E ele sempre foi um aficionado pelo gênero horror.
Mas uma coisa que ele destacava – que ele destaca, porque Elvis vive… Quando a gente faz arte, a gente deixa um legado que fica vivo para todo o sempre. Várias gerações vão ver esse filme, que vai influenciar muita gente que tá começando.
Mas uma coisa que o Elvis tem é que ele sempre liga a paixão pelo gênero com uma preocupação muito clara sobre a comunidade dele, sobre os dilemas da comunidade.
Como dizem os Racionais: "Periferia é periferia em qualquer lugar do mundo". O filme pode ser visto no Brooklyn ou em Luanda.
Como foi, você como produtor do filme, materializar esse tipo de ideia? Como eram essas conversas com o Elvis? Como era esse trato entre direção, que teve as ideias, e produção, pra materializar? Como foi o início da conversa, até pensar os primeiros planos do filme?

RICCO SALES
A sementinha foi uma atividade que a gente tinha pra fazer, uma vibe documental também. A gente queria chegar nos entregadores de comida. Um tema que tava bem presente, pouco depois do começo da pandemia. A ideia desse filme não foi pra frente, mas esse tema ficou na cabeça dele.
Por volta de maio de 2022, pensamos nos filmes que seriam abordados num pitching. Lembro que ele vinha muito com essa questão: "Qual é o medo da periferia? Que medo a periferia tem?". Ele sempre fazia essa piada de que fantasma nunca ia amedrontar uma pessoa da periferia.
Ele era apaixonado por filmes de terror. Assistiu todos. Ele queria trazer esse tema e esse recorte do entregador de comida.
Tudo no filme foi muito coletivo! Todo mundo começou a trabalhar. Ele trazia as ideias pra gente, se abria, jogava pra todo mundo e todo mundo caía pra cima.
Ele sempre me ouvia, tinha as questões de produção. Ele foi uma pessoa que sempre me ouvia, e eu também ouvia ele. A gente tinha essas ideias muito bem intercaladas entre a gente.
Sempre digo que foi uma coisa do destino. Eu entrei no CCBJ (Centro Cultural Bom Jardim, em Fortaleza), curiosamente, sem saber o que eu queria da vida. E lá tinha uma chamada pro curso do Déo. Ele foi meu primeiro professor. E primeiro professor do Elvis também. E quando a gente começou a ficar mais íntimo, o Elvis falou que tinha acabado de sair de um emprego, e foi uma aposta dele começar a estudar cinema. Esse curso foi uma aposta do universo, juntando todo mundo ali.

Foi tudo muito coletivo. Era um filme de formação também. A gente teve muitas questões de orçamento, mas era todo mundo muito apaixonado por fazer.

DÉO CARDOSO
Essa questão da paixão é fundamental, porque ela vai sustentando, ela sustenta. Voltando pro doc: você falou que a Fonseca era uma pessoa muito calma. Como é que você chegou a ela em si? Foi sempre assim? Foi sempre ela? E quanto tempo durou do encontro com a Fonseca até finalizar as filmagens? 

EDUARDO CUNHA SOUZA
Tem um ponto que acabei não citando: meu projeto de conclusão de curso em 2014 foi um curta sobre imigrantes africanos em Fortaleza. Ali conheci a Fonseca. Havia outros personagens. E o foco da aparição dela era acompanhá-la em momentos de penteados. E as conversas que apareciam nesses momentos, porque elas passam horas fazendo tranças, conversando...
À medida que fomos conversando com ela, fizemos entrevistas iniciais, porque queríamos ter uma pesquisa sobre quem era ela, o que poderíamos tratar no filme. Até esse momento não havia essa questão de ligar ela com a história da Rainha Nzinga e da mãe dela.
Mas fui entendendo que ela era uma pessoa que não se intimidava. Isso foi passando pra gente. Depois fizemos outras entrevistas e foi nesse momento que ela disse que estava estudando a história da Rainha Nzinga – angolana do período pré-colonial, que resistiu contra Portugal, que lutava no campo de batalha, que estava ali, literalmente, na luta. E ela tinha essa referência pra ela. 

Ao longo do tempo, conversando, fazendo mais entrevistas, acompanhando o dia a dia dela na Unilab, ela citava muito a mãe. Aí foi outro ponto que identifiquei: trazer mais a mãe, compreender mais como era essa relação. E com o tempo fomos vendo que a mãe também era uma pessoa interessantíssima, com uma história de vida dura, sofrida, mas que não endureceu, apesar disso, com as filhas. Pelo contrário. Uma das histórias que o filme cita é que, por não ter tido uma infância fácil, ela queria que a filha tivesse.

É interessante como a história do filme vai mudando. E um ponto interessante de contar é que, como homem, contando a história da Fonseca, vendo a história dela na universidade, ganhando mais autonomia – ela uma pessoa inteligentíssima –, eu também tive que ter esse cuidado. Estou ali filmando uma mulher, uma pessoa com um universo muito específico. Certas coisas que eu não vou entender, só ela vai entender. Me colocar nesse lugar de observador, que só ela vai estar ali compreendendo certas coisas.
Até pra construir a narração do filme, pedi que ela escrevesse uma carta falando desse processo do filme. Mostrei algumas imagens, pedi que ela escrevesse uma carta pra mãe dela e pra ela mesma. E a partir dessas cartas a gente gravou a narração do filme. Teve esse processo de trazer ela como uma pessoa ativa no filme, participando ativamente do processo criativo.


DÉO CARDOSO

Uma coisa importante dos dois filmes é esse olhar sobre pessoas pretas, nesta terra, no Ceará. A Fonseca, com toda a consciência que ela demonstra, histórica — e ela fala isso no filme — e os entregadores, pessoas pretas entregando comida, com suas “bags”, sem direitos trabalhistas. Até nisso o Elvis teve uma visão histórica, tal qual a Fonseca.
A escolha do ator sempre foi pensada pra ser esse corpo negro? Se fosse branco, também passaria por esses mesmos dilemas. Mas sendo negro, tem um algo a mais, aprofunda ainda mais essas questões. A pessoa negra, inevitavelmente, a polícia vai chegar diferente. O terror está presente todo dia. A polícia chega diferente na pessoa preta.

RICCO SALES
A gente teve uma tutoria. Teve uma conversa. De cara ele (Elvis) chegou: "Não quero nada gráfico, porque tem muita coisa assim já na televisão, todo dia."
O teste de elenco, tudo a gente queria testar como se fosse um filme mesmo, de editar um longa-metragem. Ele deixou pra preparação de elenco. A gente fez chamada, chamou algumas pessoas. Ele sempre quis estar lá, mas deixou as pessoas terem autonomia de exercerem suas funções. A gente quis opinar, opinou um pouco, mas deixou elas decidirem.
A gente encontrou o Héricles, que foi muito legal pra gente. A gente ouvia que era uma pedra que seria lapidada. O Elvis amou muito. Passou um tempo morando na casa da mãe dele, porque a gente não tinha dinheiro pra mandar ele de volta. A família do Elvis abraçou muito, muito o filme. O Bom Jardim inteiro abraçou o filme, a família do Elvis abraçou o filme! Foi muito legal nesse sentido. Todos os três personagens, a gente fez preparação de elenco. A gente queria viver essa coisa, mesmo sendo um espaço de formação assim.

PERGUNTAS DA PLATEIA

1. MÁRCIO DORNELLES
Boa noite. Primeiro queria parabenizar pelos trabalhos. Foi muito importante assistir. Eu já conhecia o trabalho do Eduardo, do Edu, tem uma excelência no trabalho dele.
Mas a pergunta está no “Noites em Claro”. Tem um trabalho com luz muito importante. Seja na sirene da polícia, na falta de luz dele em casa, nessa figura de terror que ele encontra ali. É um comentário, mas eu queria também algum detalhe sobre como foram pensadas essas cenas. Queria um pouquinho de informação sobre isso.

RICCO SALES
A questão de luz… O Elvis… Gente, ele nasceu pra ser diretor! Eu sentia que ele dominava muita coisa antes mesmo de fazer. Ele gostava muito da imagem, estudava muito sobre isso. Mas também no processo, a gente teve umas tutorias muito legais. O Vitor de Melo foi nosso tutor de iluminação, e a gente se jogou nessa coisa.
Mas o Elvis, como o Déo falou, tinha uma sensibilidade muito grande. Ele queria trazer a polícia, mas não queria nem que ela tivesse um rosto. Esse medo não tem um rosto. Então a luz é o que trazia esse medo. Teve um dia que a gente ligou tanta luz que começou a apagar a luz do bairro. As vizinhas ficaram culpando a gente, mas voltou, deu tudo certo. A gente trabalhou com pouca luz.
O filme tinha essa questão sobrenatural. No nosso bairro é uma questão: todo mês falta energia na minha casa. Era uma questão que ele queria trazer. A gente mandava mensagem: "Amigo, tá faltando energia aí?". "Tá sim!".
Ele queria trazer essa luz do medo, a luz vermelha da polícia, mas também foi uma coisa mais tranquila trazer essa luz de sobrenatural, de escuridão. A gente não teve muita dificuldade. A gente teve uma orientação, e ele já tinha esse olhar mais aguçado pra isso. Foi bem tranquilo, sim.


2. REBECA – PSICÓLOGA
Queria só trazer algumas contribuições, algumas alusões que vieram, assistindo aos dois filmes. Chamar atenção a algumas peculiaridades, que vêm como similaridades, que acontecem nas duas histórias e que valem pra gente trazer pra vida.
A primeira coisa é a figura da mãe. A gente tá chegando perto do Dia das Mães. Esse lugar dessa mulher que, apesar de falha, de não conseguir suprir tudo que gostaria, ela está presente. Ela é abrigo.
Às vezes não tem a dimensão exata do que o filho está passando, dentro da sua dificuldade, mas tá lá contribuindo dentro do que pode, do jeito que sabe, da finitude, da não perfeição — mas do abrigo, do acolhimento.

Queria aproveitar essa alusão, que foi tão bem retratada nos dois filmes, e fazer uma homenagem às mães presentes. Não só à família do Elvis, mas acredito que a presença de outras mães aqui. Que não só pela gestação, mas também por estarem ali — é luta, é presença — da forma que sabem, da forma que podem.

E a segunda é — puxando uma sardinha pra minha área, mas sempre importante trazer pra vida o que a gente vê na arte, porque arte também é vida — esse lugar do adulto que muito espera, que vai atrás de um sonho, e de repente se depara com algo totalmente diferente do que gostaria.
No primeiro filme, ele foi tentar a vida morando só, numa casa em que ele se vê assombrado, sem luz, e mesmo assim ele vai à luta, tem que ir diariamente. O que inicialmente é um sonho se transforma em resistência.
O que não é diferente da Fonseca, porque, apesar de vir para um Brasil que inicialmente escravizou, ela deixa claro que veio com uma esperança. Ela ia encontrar a beleza do Brasil da televisão, mas chega num local que, apesar de acolhê-la de certa forma, traz uma série de desilusões também — a ponto de ela pensar em desistir. Assim como ele pensa também, no primeiro filme.
Na hora que a coisa aperta, eles se referenciam com a mãe.

Trazendo essa analogia — além de toda essa luta da periferia, do povo negro, sim, de uma história que não é contada, de uma história que é marginalizada — a gente também, como adulto, às vezes tanto quer, tanto espera, e se frustra.
Mas a gente pode ver também beleza e sustentação em algum lugar. Se não numa mãe, como foi retratado nos filmes, que a gente possa ver beleza em alguma outra coisa. Que a gente possa não desistir!


3. CIBELE
Boa noite. Um projeto tão bonito e tão pouco divulgado. Vim a convite da família do Elvis. Queria saber de vocês como é pra realizar um projeto com tanta dificuldade. Vi que já recebeu prêmios. Como é que é pra vocês receber prêmios, serem escolhidos pra estar nesse festival? Queria saber um pouquinho.

RICCO SALES
Lembro bem que a gente ganhou os primeiros prêmios, em festival, prêmios de Arte e Som. Meu Deus, foi a glória! É isso, é sobre isso! De lá pra cá a gente conseguiu algumas coisas, muitas conquistas. A primeira coisa que me vem à cabeça quando penso nisso é que a turma anterior não pôde realizar os filmes por causa da pandemia. Então a gente chamou uma galera dessa primeira turma pra trabalhar no filme. É o primeiro filme do CCBJ ganhando prêmio! É uma felicidade, pra mim, estar mostrando esse lugar, em que eu fui formado, e sei que acolhe tantas pessoas, tantos artistas. É meio que devolver pra eles essa formação, e um momento de realização dele, de realização minha. A gente ficava muito feliz. É como se fosse sempre a primeira vez. A gente comemorava.
A ideia é que a gente torne esse filme público, pra todo mundo ver, e também pensando nesse momento, ser uma homenagem pra ele. A gente tá pensando em algumas coisas junto com o CCBJ, pra realmente o filme circular mais. Tanto pelo filme em si como por conta desse contexto mesmo. Seria o segundo festival presencial. A gente conseguiu vir aqui no Sinistro Fest. A gente passou em vários festivais no Brasil, mas não tinha recurso pra ir. Estar aqui hoje, presencialmente, no festival, é uma celebração de estar presente nesses espaços.


4. JANIS SOUSA - Fotógrafa
Lamentar não termos conseguido terminar de exibir o filme, mas parabenizar toda a equipe do festival. Queria, sobre o “Noites em Claro”, parabenizar vocês por terem tido a capacidade de comunicar situações de violência que são assustadoras mas não são mostradas como deveriam. A gente acaba "normalizando" situações assim. Como o toque de recolher, anunciado no "Na Quebrada". Coisa que acontece, mas que não é assim, é quase velada, não é anunciado no rádio, você sabe, fecha a porta. Isso não é dito mesmo. E quando uma pessoa, no caso a Amanda, fala, ela diz isso, soa absurdo, soa ridículo. Parece algo quase que cômico, mas não é. É presente!

Também uma parte que me chamou atenção é quando o entregador fala da dificuldade de fazer a entrega nos condomínios. Até o ano passado meu irmão morava em condomínio, no José Euclides, quase no Maracanaú. Eu pedi um pastel pra jantar. E foi um dos dias que ocorreu disputa. E eu pensando no entregador, vindo com meu pastel de queijo. "Boa noite, solicitando que por motivo de força maior, deixe o portão do bloco aberto, pra facilitar o trabalho do entregador". Com uma mensagem bem bonitinha, como se fosse uma coisa normal. Mais "normal" do mundo.
A minha pergunta é: como foi a pesquisa, pra falar dessas experiências, até chegar nesse resultado tão próximo? É isso.

RICCO SALES
Acho que ele tinha, a priori, muita pesquisa. Ele assistiu muitos filmes. Essa parte da Amanda foi uma pesquisa em pós, ele sentia que ela precisava entrar mais. Ele chamou ela em casa, montou um setzinho e gravou. Ele sentia falta. Pesquisa de realizadores que não participam de produção, mas tão ali realizando trabalhos audiovisuais.

A questão do condomínio, dos entregadores, era justamente esse trabalho que a gente queria ter feito sobre os entregadores. Fizemos algumas entrevistas com entregadores, mas a gente não conseguiu ir adiante pra gravar. Ele queria muito que o personagem fosse um entregador. Foi essa pesquisa, junto com a tutoria, que trouxe muita coisa bacana pra ele pensar. E teve dois encontros de leitura de roteiro, que ele ouvia a turma. Ele foi bem aberto às nossas opiniões. Então foi nesse processo também, de muita pesquisa dele, mas muito coletivo, da gente trazer também as nossas angústias, as nossas dores.


5. ROBERT - Professor de Arte, da Rede Municipal de Fortaleza
Boa noite. Queria parabenizar pelo festival. E fico pensando como levar isso pros meus alunos. Tive experiência com o “Cabeça de Nêgo” (filme de Déo Cardoso, mediador do debate). E uma experiência bem simples, mas um aluno disse "Caralho: meu tio (aparecendo na tela)!". Fico pensando como posso levar esse filme pra escola. Como trazer a escola pra cá. Será que consigo articular um ônibus, as famílias? A Secretaria de Educação poderia estar aqui… O comentário que você fez sobre deixar o filme público, eu já penso em como levar pra escola.


RICCO SALES

Sobre isso aí de ver filmes. Atualmente sou monitor no programa de Audiovisual do CCBJ. Estou desde 2023. Atualmente cuido do acervo audiovisual. Cine Jardim nas Escolas. Vamos fazer esse projeto acontecer. A gente tá fazendo alguns testes, com algumas pessoas. Mas realmente de a gente ter todo ano. Nas escolas. A gente tem quase 100 materiais, tanto de obras quanto exercícios. Tem muito material legal pra escolas. Daqui a pouco vocês vão estar ouvindo falar do Cine Jardim.


DÉO CARDOSO

Considerações finais?


EDUARDO CUNHA SOUZA
Bom, acho que uma das coisas que foram impactantes pra mim nesse processo do filme da Nzinga foi ver o quanto eu não conhecia e não conheço muita coisa sobre a África. Ver também as pessoas fazendo algumas perguntas que são óbvias, que a gente deveria teoricamente entender um pouco mais, porque estão ligadas à nossa história, às pessoas à nossa volta. Durante todo esse processo acendeu uma luz na minha cabeça, pra ter essa atenção. Entender um pouco mais da nossa história mesmo. Pesquisar como funcionou o período colonial. Às vezes a gente vê na escola, não entende direito, deixa passar, acha que é algo muito distante, que não influencia em nada hoje. Mas essa ligação está no dia a dia da gente, presente, muitas vezes no trabalho, no dia a dia. A gente acha que tá muito distante, mas não é, não.

E ver um pouco da história de São Tomé e Príncipe. As marcas do período colonial lá são muito mais presentes, visíveis nas ruas, nas casas, nas estruturas. Aqui a gente vê em alguns locais históricos, prédios. Lá eles tiveram a Independência em 75, tipo, ontem, né? A gente estudar nossa história e a de culturas que estão ligadas pra gente poder se entender e entender como a gente está ligado no mundo. Pra mim foi uma das coisas que impactaram nesse processo do filme.



6. VELI - Sou amiga dos pais do Elvis
Sou amiga dos pais do Elvis. Ainda observando o filme “Noites em Claro”, eu me vi no lugar daquela mãe. O filho dela é entregador de alimentos. E o meu, motorista de Uber. Se eu tivesse em casa, já tava no celular. Onde é que tu tá? Tá perto? O meu quintal é emendado com o dele. Eu digo: "Deus te abençoe". E ele: "A benção, mãe." E ele, quando chega em casa, grita: "A benção, mãe." E eu: "Deus te abençoe." Naquela hora eu me emocionei. É só esse pequeno comentário. Muito bom, muito bom o filme. É a realidade.

RICCO SALES
Só realmente agradecer a todo mundo que passou pela trajetória do Elvis, que como falei no começo, isso aqui é um sonho dele, o meu sonho também, o sonho de muita gente, mas principalmente o dele, que idealizou tanto isso. E ver que ele conseguiu, ver que deu certo, é o que me deixa muito feliz, diante de todas essas coisas que aconteceram. Agradecer ao Déo, a todo mundo que teve um pedacinho na trajetória dele. Espero que o filme rode mais lugares, chegue a mais espaços, que as pessoas consigam ouvir as histórias que ele contou.

DÉO CARDOSO
Quero agradecer ao festival. Tá tudo muito bonito, de verdade. Tá tudo muito zeloso, dá pra perceber o zelo. Quero convocar pra assistir ao filme do Edu. Quero dizer pra vocês dois: não parem. Eu parei uns dois, três anos… Foi a pior coisa da minha vida. Não parem! A trajetória que o Elvis construiu, você tá seguindo. A todo mundo que tá aqui e que faz cinema ou qualquer outra coisa no campo das artes: não parem!

E outra coisa, gente: venham mais ao cinema. Sei que é difícil. Às vezes é caro. Às vezes, não. É caro. Mas o Fabinho tá abrindo programações infantis. A cultura do cinema é muito importante. Ela forma subjetividade. A gente tá no celular às vezes vendo aqueles videozinhos rápidos, e aquilo vicia. É comprovado mesmo. E a gente não para pra contemplar um bom filme, um livro. É muito importante vir ao cinema. A gente precisa de mais gente do povo aqui. Às vezes o cinema é muito elitizado, por causa do preço. Qualquer promoção que tiver, venham. Continuem vindo ao cinema. E é isso. Obrigado. Tamo junto!





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