Texto e vídeos: Dalwton Moura
Fotos: Zé Rosa Filho
O final de semana em Fortaleza foi de grandes encontros da música do Ceará. No sábado, no Centro Cultural Banco do Nordeste, Fausto Nilo recebeu homenagem em um show coletivo, dando início a uma programação que continua na quarta e na quinta-feira, 4 e 5 de setembro. Foi uma apresentação lotada e marcada por muita emoção com a presença de Calé Alencar, curador das atividades que incluem três shows, um debate e a exibição de um filme, Juruviara, Mona Gadelha e Yane Caracas, recriando canções do compositor, que não pôde comparecer, por estar em Quixeramobim, na abertura de uma exposição em sua homenagem.
Neste domingo, um novo grande encontro, desta vez no palco do Cineteatro São Luiz, desta vez com a presença de Fausto Nilo. O mais belo cinema de rua do Brasil, inaugurado em 1958, na Praça do Ferreira, que contou com reforma assinada por Fausto e por seu parceiro na arquitetura, Delberg Ponce de Leon. A mesma praça a que Manassés, ainda criança, foi levado pelo pai, ambos vindo de Maranguape, para tocar e comover as pessoas. Com o "dinheiro no chapéu" dado pelos transeuntes, Manassés ganharia seu primeiro violão. Como dizem, "o resto é história".
Uma história que, na transversal do tempo, chega ao importante marco dos 70 anos de "Mana", violonista, violeiro, guitarrista, cavaquinista, das bandas de baile como a "Barbosa Show Bossa", de que falou no show deste domingo no palco do São Luiz, ao contar como Rodger Rogério, Téti e Edson Távora pai tiveram papel fundamental em sua carreira, ao levá-lo à cena da geração que ficaria conhecida por "Pessoal do Ceará".
70 anos de Manassés, 70 anos de Calé Alencar, 80 anos de Rodger Rogério, 80 anos de Téti, 80 anos de Fausto Nilo, 60 anos de Rogério Franco, 60 anos de Gilmar Nunes... 2024 veio cheio de efemérides, celebrando essas gerações, em novos ganchos para reafirmar sua obra e para que novos públicos possam conhecer e reconhecer melhor essa história. Apesar de todas as dificuldades históricas em um estado em que essa incrível produção ainda necessita de mais visibilidade, presença, respeito, valorização na justa medida, com mais e melhores políticas públicas e ações da iniciativa privada e do terceiro setor. Uma mudança de mentalidade, para uma mudança de realidade. Um cenário que seria abordado, na parte final da apresentação de Manassés, pelo produtor do show, o incrível Hélio Santos, décadas de serviço prestado à música do Ceará para o Brasil.
Além de emblemático, histórico por definição, foi extremamente emocionante o encontro, no palco do São Luiz neste domingo, entre Manassés, Humberto Pinho, Adelson Viana, Edmar Gonçalves... Rodger Rogério, Fausto Nilo e, ainda mais especialmente, Téti. A grande dama da canção cearense voltou a subir ao palco três anos depois de gravar, na Casa de Vovó Dedé, o especial "Futuro e Memória 2 - Música do Ceará", de Rogério Franco, com Rodger, Edmar, Calé, Gilmar, Davi Duarte, Theresa Rachel e banda. Téti, que estava com Manassés, Rodger, Edson, Francis Vale na "famosa" viagem de Fortaleza a São Paulo em uma kombi, nos anos 70, com direito a paradas para consertar o veículo e realizar apresentações para arrecadar algum e seguir na viagem.
A presença de Téti no show deste domingo, cantando ao lado de Manassés no violão de 12 cordas o clássico "Frenesi", em homenagem também a Petrúcio Maia, apontado por Mana como 'um dos maiores compositores do Ceará, senão o maior", marcou o público pelo privilégio de testemunhar esse retorno. E Téti cantou forte, alto, certeira, na "intensa suavidade", emocionando e emocionada. "A felicidade corre sem parar...". "A solidão mora aqui, e a cidade é sem fim, qual a tua janela...".
Téti e Manassés interpretaram "Frenesi"
Foram muitos, muitos aplausos, de espectadores como Mona Gadelha, Caio Sílvio e a família Rogério, em grande número, com destaque para os filhos de Téti e Rodger: Daniela, Pedro e Flávia. Momento de incontido sentimento e de significados vários, no reencontro de Téti com o palco, com o público, com sua própria voz. A música do Ceará agradece a Manassés pelo convite a Téti para um momento mais que especial.
Uma abertura teatral
No domingo às 18h, horário que o Cineteatro São Luiz consolidou para os shows, a apresentação de Manassés foi aberta com um número teatral, impactante e diferente, com Mana improvisando o Nordeste na viola e Francisco Otávio, o Chicão, roadie e diretor de palco, surpreendendo o público como ator, caracterizado, em improvisos vocais, enquanto antigas fotos de família eram projetadas no fundo-palco. Uma bela surpresa para começar o show, antes de Manassés convidar ao palco um super trio: Tito Freitas no teclado, Miqueias dos Santos no contrabaixo elétrico e Adriano Azevedo na bateria. Formação que brilhou em músicas como "A terceira ponte", do repertório instrumental, que também teve Manassés solo em temas como o clássico belga/francês "Ne me quitte pas" (curiosamente, música que conta com uma letra trabalhada por anos e anos por Fausto Nilo).
Com Manassés brincando sobre receber convidados "da velharia", o primeiro a ser chamado ao palco foi o cantor e compositor Humberto Pinho, que também brincou sobre a passagem do tempo. "Conheci o Manassés quando ele estava comemorando 40 anos. Agora são 70", riu-se, agradecendo ao companheiro pela amizade em todo esse tempo e cantando a imagética e contemplativa "Alvorecendo", letra dele sobre música de Manassés.
Humberto também é autor de letra para a magistral "Valsa para Gibran", que no show, porém, foi apresentada de forma instrumental, como um dos grandes destaques da noite, já com Manassés convidando Adelson Viana, outro grande companheiro nesses tantos anos de carreira.
Eles e o trio brilharam também em uma recriação de mais de 11 minutos do clássico "Juazeiro", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, já mais perto do fim da apresentação, com direito a espaço para improvisação de todos e a Manassés convidando para o show que fará na sexta-feira, 6 de setembro, no CCBNB Cariri, em Juazeiro do Norte. E também no dia 8 no Anfiteatro da Beira-mar, em Fortaleza, e no dia 14 no CCBNB Fortaleza, em noite compartilhada com a cantora Ângela Lopes em homenagem a Ella Fitzgerald, no projeto Jazz em Cena.
Manassés e Adelson Viana: "Valsa para Gibran": releitura magistralManassés, Adelson, Tito, Miqueias, Adriano, Chicão no clássico "Juazeiro"
Rodger, Fausto e Edmar
O guitarrista Alan Kardec foi outro convidado a brilhar no show, em que Edmar Gonçalves foi convidado a cantar "Estradas", parceria de Manassés, Herlon Robson e Totonho Laprovítera, ocasião em que Mana homenageou Chico Pio, lamentando que o artista não tenha tido as oportunidades que merecia, de acordo com a dimensão de sua obra. "Era o maior cantor do Ceará", ressaltou.
Impactante também a presença de mestre Rodger Rogério, convidado logo após a participação de Téti, com o trio retornando ao palco para, junto com Manassés, interpretar o clássico "Ponta do lápis", uma homenagem também ao parceiro de Rodger nessa canção, o compositor piauiense Clodo Ferreira, recentemente falecido, deixando uma incrível safra com Rodger e vários clássicos da música do Brasil.
E que oportunidade de ouvir Fausto Nilo, que Manassés apresentou como convidado fora do roteiro, interpretando "Palavra de amor", parceria com Mana consagrada na noite cearense na voz de Paulo Façanha. Uma maravilhosa versão de autor, com direito a sutis mudanças na letra, no sentimento do encontro dos parceiros no Cineteatro São Luiz.
Rodger Rogério, Manassés e trio: "Ponta do lápis", homenagem a Clodo Ferreira
Téti, Rodger e Fausto chamados ao palco em seguida, por Manassés. Um privilégio para o público, em um show marcado pela afetividade. Uma apresentação também dedicada por Mana ao colega Cristiano Pinho, outro que se despediu recentemente, deixando de luta a música do Ceará. Uma música que, como ressaltou Hélio Santos, convidado ao palco antes do bis, segue precisando, em 2024, de mais valorização, espaços, oportunidades, visibilidade, inclusive para os mestres ora chegam aos 60, 70, 80 anos. Uma das bandeiras levantadas pelo Sindicato dos Músicos do Ceará, em cujo documento com reivindicações que há mais de dois anos esperam resposta do Governo do Estado e da Prefeitura de Fortaleza está a demanda pela garantia de pelo menos uma apresentação de artista 60+ em cada equipamento cultural, todos os meses.
Hélio Santos: reflexão sobre a necessidade de mais valorização da música do Ceará e de seus mestres
Somos do mundo, somos do Ceará. A terra de Téti, Rodger, Fausto, Edmar, Humbertinho, Adelson... A terra de Manassés. Sorte do público. Privilégio de todos/as nós. Façamos por merecer.
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