Festival Choro Jazz: Silvério Pontes compartilhou memórias e reflexões musicais em Soure-PA, nesta terça, 8/7, na abertura das oficinas

 



Silvério Pontes, um dos maiores trompetistas do Brasil, por conseguinte, do mundo, é filho de uma família musical e, como revelou nesta terça-feira, 8/7, aos participantes das oficinas do Festival Choro Jazz em Soure, Ilha do Marajó, Pará, começou a tocar aos oito anos.

Atualmente aos 60, compartilhou com o público um pouco de sua história de 15 anos tocando com Luiz Melodia, 10 anos tocando com Tim Maia, mais de 30 anos com Zé da Velha, em uma parceria histórica, responsável por seis discos aclamados no Brasil e no exterior.

Silvério contou histórias, refletiu sobre o fazer musical, que se confunde com a maneira de estar vivo, estar no mundo e até de se curar de males do corpo e da alma. "Sou suspeito pra falar, mas o choro é a melhor música do mundo. Ela te dá muita base. O músico que toca choro tem facilidade de tocar em qualquer segmento da música".

Confira os melhores momentos da fala do mestre do trompete, que ainda demonstrou musicalmente seu método de estudo de choro e tocou com o acordeonista cearense Ranier Oliveira, também professor - e aluno - nas oficinas do Choro Jazz.

O festival tem patrocínio da Petrobras e realização do Ministério da Cultura e do Governo Federal, idealização e curadoria da Capucho Produções, organização da Iracema Cultural, apoio da Prefeitura de Soure. As oficinas seguem até quinta-feira. Sexta, sábado e domingo muitos dos maiores nomes da música brasileira se encontram no calor de Soure, em meio às fortes cores marajoaras. Confira a programação em chorojazz.com e no Instagram @chorojazz. Com a palavra, Silvério Pontes:



Toco desde os oito anos. Hoje tenho 60 anos. Tenho consciência de mostrar pra criançada que tem uma coisa legal: a musicalização. Principalmente a música brasileira, o choro.

Comecei em banda de música, tocando dobrados, valsas, peças. Meu pai tocava, meu tio, meu avô. Tive o privilégio de aprender música na infância. Pra mim foi maravilhoso, porque aprendi a amar a música, a ouvir.

O que sinto hoje em dia, em relação à música, é muita alegria. Alegria de ter feito bodas com o Zé da Velha. Trinta anos. De hoje esse trabalho ser estudado em teses, pesquisas. E Zé da Velha conheceu o Pixinguinha! Então não estamos assim tão distantes, de um músico que admiramos. Você pode admirar o Roberto Carlos e não conhecer o Roberto Carlos, mas pode conhecer um músico que toca com ele.

Fiz minha carreira toda tocando com artistas. Luiz Melodia, 15 anos. Tim Maia, 10 anos. Cidade Negra, até hoje.

Sempre toquei choro. É a música do coração. Mas também sempre fui da música pop. Uma mistura da música brasileira com o pop, o samba-rock.

Tive o privilégio de tocar com essas pessoas, e aprendi muito. Mas o meu coração é do choro. Vi que, no meu caso, tinha poucos trompetistas tocando choro. Ouvia 20 bandolins, 10 flautistas, 50 clarinetistas... mas trompetista, não tive com quem estudar.

Gravei muita coisa com o Zé da Velha. Vou tocar a primeira aqui.
A música começa no ouvido. É muito importante entender e achar sua identidade. No meu caso, o Zé da Velha foi meu grande mestre.


Silvério toca para os participantes da oficina a música “Acariciando”, acompanhado sob a base da faixa que gravou em 1995, com Zé da Velha, no primeiro disco da dupla, e tocando ao vivo o flugelhorn. E retoma a palavra:

O choro era tocado no subúrbio do Rio. Fui morar em Olaria, em 1986. Meu mestrado foi tocando no botequim, com aqueles velhos ali, na praça que o Pixinguinha frequentava. Tive o privilégio de tocar com músicos que tocaram com ele. Isso fez uma grande diferença na minha formação musical. De eu levantar essa bandeira, e correr em busca dessa música e levar pra todos os lugares. A gente tem uma música muito rica! O Brasil é um país que ainda é respeitado por conta da música. Vejo isso nos lugares em que vou tocar.

Fiz uma excursão grande, em 2006, com o lançamento do filme "Brasileirinho". Tocamos em quase 40 países, e o filme passava antes, mostrando como é a música do Brasil, o choro, onde ele nasceu.
Então eu vi. E hoje temos dois representantes nossos que levam essa música que tem base no choro: Hamilton de Holanda, que conheci quando ele tinha 12, 13 anos, em Brasília. Ele já era um diferencial, com aquela dinâmica. O mais famoso era o Armandinho, mas quando o Hamilton chegava na roda, tocando daquele jeito, a gente ficava muito assustado! Primeiro o Raphael (Rabello), depois o Hamilton... e o Yamandú. Três músicos que a gente tem muito orgulho deles, por tocarem essa música do Brasil e levarem o choro com muita sabedoria pros festivais.

O mundo inteiro tem festival de jazz. Na Europa tem milhares. E o músico chegar lá tocando uma música do Brasil... É maravilhoso saber que a gente pode chegar em qualquer lugar do mundo e levar a nossa música.

Sou suspeito pra falar, mas o choro é a melhor música do mundo. Ela te dá muita base. O músico que toca choro tem facilidade de tocar qualquer assunto, em qualquer segmento da música.

Cada um tinha uma forma de compor. Sivuca, K-Ximbinho — puxava o choro pro lado do jazz. O Pixinguinha pegou toda a negritude e a música suburbana carioca, enraizada, quebrada... Isso é muito importante. O Brasil, a nossa música, é respeitada por isso.

A única coisa com que eu brigo muito — e fico chateado — é com esses reitores das universidades. Porque o choro era pra ter esse espaço. Nazareth, Pixinguinha, Anacleto de Medeiros, Chiquinha Gonzaga… essas pessoas teriam que ter esse espaço, como têm Bach, Beethoven. Porque foram precursores da música brasileira.

Escola de Música no Rio com dois mil alunos. Em Brasília, a Escola Raphael Rabello, com três mil alunos. Niterói também...

O que precisa pra essa música ficar cada vez mais robusta é ir pras escolas. No Japão, qualquer cara — o cara é enfermeiro, toca trombone, sabe ler música. O cara é dentista e toca clarinete.
A música tem que fazer parte do currículo da pessoa, da cidade. Por exemplo, aqui em Soure, a criança tem que estudar música na escola. O menino que aprende a tocar um instrumento trabalha outro lado do cérebro. No Rio de Janeiro tem várias comunidades em que escolas de música tiram os meninos do tráfico. A música tem um poder de formação, de meio de vida.

O menino que toca um instrumento não quer uma metralhadora, um ferro pra dar tiro no outro. Não quer.

A música tem esse poder de educar e mostrar um caminho diferenciado pro jovem. Vejo meu neto, quando aprende uma notinha no piano ou uma coisinha no pandeiro, vejo a alegria dele. Precisamos ter a consciência de botar as crianças pra ouvir e tocar música brasileira.

Silvério toca uma segunda música, na oficina.

Cada um tem uma forma de tocar o choro. Altamiro Carrilho, por exemplo, deu uma assinatura. Uma maneira de tocar que você identifica só de ouvir. O Dominguinhos… O Zé da Velha — você sabe que é o Zé pela forma que ele toca.

Como é que eu estudo choro? Vou mostrar uma forma que estudo, aprendo, e que funcionou bem.

Eu sou um melodista. Por incrível que pareça, não sei harmonia. Nunca quis aprender harmonia. Estudo harmonia com o meu instrumento. Fui pelo caminho mais difícil.

Regra da própria música: maior, menor... Três partes. Se a primeira parte é em tom maior, a segunda é no relativo menor e a terceira na subdominante maior.

Eu aprendi a tocar a melodia. Decoro a melodia, depois fico fazendo uns "conceitos" em cima da harmonia. Como nesta música do Pixinguinha. Altamiro Carrilho me ensinou a estudar assim, por incrível que pareça: estude uma música simples, e toque em todos os tons.

Quanto menos nota você coloca em cada compasso, mais difícil é.

Mesma melodia, com contraponto.

A gente pode até tocar sozinho, mas não tem coisa melhor que tocar servindo. Ser um servente da música. Na vida, a gente não consegue fazer nada sozinho. Ser um garçom. Servir a música.

Você tem que ter alguém pra ouvir sua música. Subiu no palco, esquece todos os seus problemas. Toca praquelas pessoas que tão ali. Leva aquela música de coração e de alma pra elas. Como é importante o cara sair de casa, sentar numa cadeira e ouvir você tocar. A música tem essa magia.

A gente precisa de plateia. Precisa de seguidores. Precisa das crianças. Precisa interagir. Falo que sozinho nem corno a gente consegue ser.

A gente tem que aprender a dividir. Dar o espaço pro outro tocar. Cada um tem o seu momento. O Choro na Rua, esse grupo com que vim tocar aqui, a gente passa exatamente isso. Cada um tem seu momento. E eu sou o comandante. Se alguém toca errado, eu jogo uma pedra! Brincadeira... Só no olhar a gente se entende. É tanto tempo tocando junto que a gente vai buscando uma forma — como um diálogo, uma conversa. Cada um tem o seu espaço.

Eu vejo a música como uma coisa... a salvação do planeta. Os primeiros sons da vida vêm na forma de música. O vento, o mar, o trovão. A música surgiu antes da fala. A gente tem que reverenciá-la. Quando a gente tá deitado em casa, com um fone, não tem espaço pra mais nada no seu pensamento. Ela trabalha a cura. Eu vejo a música como Deus. Deus e a música.

Tudo o que eu tenho na vida eu agradeço a Deus e à música, porque ela me levou pra vários lugares e me tirou de vários lugares. Eu tô aqui por conta da música. E vocês também. Então é muito importante.
O que a gente tá podendo aprender com a música é um ensinamento.

A música tem esse poder de trabalhar o seu espírito, a sua alma. Pra você sarar. A pessoa que estuda música sara de tudo. Câncer, depressão... Eu tive dois câncer, e a música me curou. 

É muito gratificante a gente poder ter a música como uma continuidade do espírito no corpo. Eu vejo a música assim. Todo lugar é música. Tudo que você faz é música.

Na vida, tudo é música. Até pra subir no ônibus, você tem que ter ritmo. A música, o pandeiro, dá aquele ritmo.

Minha mãe, com mais de 90 anos... Um dia levei, ela ouviu música sendo tocada na rua, o choro, passou uma semana ótima.


Silvério toca uma terceira música, “Carioquinha”, de Waldir Azevedo

Gravação com Zé da Velha. No disco "Ele e eu", que ganhou vários prêmios. A faixa-título é do Pixinguinha. Ele fez pro Benedito.

E tem uma do Waldir que a gente gravou e virou estudo dos músicos — de tirar improviso.

A música precisa de renovação. Cada um tem uma forma de interpretar.
O Zé da Velha não toca como solista. Ele toca sempre pensando no conjunto. Ele quer embelezar a música.


O choro é uma música genial, que possibilita esses desafios quando você tá na hora da execução — coisas que o erudito não dá. A música cantada, que tem que ter aquela letra, naquele momento, cantar a poesia. Mas o choro não é uma música engessada. Normalmente, você vê que o cara tá tocando tudo diferente do que tá na melodia na partitura ali.



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