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Yago Barroso, Naiara Lopes, Gabriel Vieira e Álcio Barroso abriram a programação de shows da sexta-feira no Festival Mi |
Multi-instrumentista, compositor e cantautor, Álcio Barroso abriu na noite de sexta a programação do Palco Feira, do Festival Música na Ibiapaba, o Mi, evento que está completando 20 anos promovendo formação musical, oficinas durante uma semana de imersão no aprendizado e na partilha de saberes, além de shows de artistas do Ceará e de diversos estados e de apresentações dos participantes das oficinas.
Muito curiosas, e ainda mais importantes, neste contexto, as canções de Álcio, que exprimem ousadia, criatividade e provocações necessárias, inclusive sobre a própria condição de compositor. Como na meta-canção "Cansei de ser artista", um hino necessário a um festival de formação de novos músicos, para reflexão e busca de construção organizada de luta e de mudança de realidade.
Cansei de ser artista
Procuro um bom emprego
Bater ponto de vista
Virar cabeça de prego
Eu canto pra sulista
Em língua nordestina
Com pose de turista
Da América Latina
Fantoche de revista
Fetiche de novela
Rapé, café com cointreau
Arroche a donzela e assista o pastiche de horror
Eu faço faxina
Eu caço na esquina
Eu passo petisco na mão
Um risco na agenda
E eu rasgo a rotina
Cavalo de pau, contramão
Matei meu analista
Nas curvas dessa tarde
Com luva de pelica
Maquiavélica liberdade
Eu fecho a cortina
Inalo a neblina
Espalho miolos no chão
Serei os seus olhos
Ouvidos e boca
Ou outra servil profissão
Só não mais ser artista
Eu quero é ter dinheiro
Trabalho na cozinha
Camarinha ou no banheiro
Não tenho mais idade
Nem personalidade
Assim sem um vintém
Não presto contas a ninguém
Porém com bom salário
Faço parte do cenário
Não faço Arte
Passo bem
Com influências que vão desde o Pessoal do Ceará, o Clube da Esquina e a Vanguarda Paulista, de modo particular Luis Tatit, Álcio se destaca em seu show por letras desse patamar para cima. Melodias sinuosas, soluções harmônicas surpreendentes, em um formato personalíssimo, artesanal, inconfundível, no acochambrado de voz e piano encaixados, unificados, indivisíveis. Como ele demonstrou em algumas canções nesta sexta-feira, em Viçosa do Ceará, apresentadas em voz e piano, sem a companhia da banda de jovens músicos arregimentados pelo compositor: Gabriel Vieira, destacado e muito aplaudido nas escolhas de timbres em sua Epiphone semiacústica, Yago Barroso mais discreto no contrabaixo, Naiara Lopes brilhando na bateria.
Parceiro de autores como Paulo Araújo e Rogério Lima, que também abraçam a densidade harmônica e poética nas composições, Álcio escolheu, para o show no Festival Mi, "Poesia por favor", da lavra com Paulo, "Manhã sem fim" e "A vida que escolhi", entre as canções com Romulo Fróes, e "1980", uma bela homenagem a Lennon, nascido naquele ano, assim como o parceiro de Álcio nesta música, o compositor, cantor e escritor Leo Mackellene.
Muito bom ver reunidas no show (que começou com público pequeno e foi ganhando muitos espectadores ao longo da apresentação, incluindo vários colegas músicos, professores e estudantes do Música na Ibiapaba) diversas canções com que Álcio participou de festivais de composições, agora fortalecidas e dialogando entre si, no espetáculo. Nesses festivais da canção, além da tessitura inconfundível de suas criações, Álcio costuma se destacar ao dispensar a banda-base e apresentar suas composições exclusivamente com voz e piano, reforçando a personalidade de seu fazer musical e se destacando em relação às escolhas de formações e timbres dos demais participantes.
E que maravilha o encerramento do show, infelizmente sem bis, com uma recriação intensa, vigorosa para "A dor", da conterrânea Mona Gadelha, com a banda completa no palco e com participação da cantora e compositora Alice David, filha de Álcio, com ele dividindo os vocais entrelaçados. "A dor / De quem é a dor? / Me diz aonde é que dói mais". Apesar das tantas e tão pungentes dores, que façamos como Álcio e jamais cansemos "da vida que escolhemos". De ser - e de fortalecer - artistas.
Repertório do show. Procure pelas canções. Escute Álcio Barroso:
Alcio é gigante!!
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